Abandonado
pelos pais,
triste, acordava
toda manhã e repetia:
“Meu Deus, eu não sou uma pessoa ruim.”
- Ali, ó, aquele menino branco! Olhos enferrujados e boca sem cor, sentado, escrevendo. Os seus olhos são alegres, Ize.
Victor, sem qui, me causa arrepios. Eu, que não sou meu nome, me orgulho ao falar o dele. Eu tenho sonhado contigo, moço. Os meus olhos te seguem. E eu amo tudo que você é. Do astigmatismo a cicatriz no polegar direito, a cara que você faz quando tenho crises de riso ou tento pegar um gato magrelo na rua. Gosto dos pés, da forma apertada dos olhos ternos e da boca levemente curvada, enquanto me olha. Gosto da raiva, da gargalhada alta - quando ele ri, meu coração acelera - do curvado da sobrancelha grossa e escura, quando fica sério, gosto dos lábios finos, alinhados, dos olhos grandes quando me pede, me ama. Das pernas roliças e desproporcionalmente lindas. Eu sempre vi carinho nos xingamentos dele. As palavras ditas ao pé do ouvido, perto o bastante, para que a sua respiração quente me atingisse, enquanto suas mãos grandes percorressem meu corpo lascivamente, provocando arrepios instintivos. Eu perdi a vergonha, você me ganhou. As minhas golas desarrumadas são propositais, meu amor. Bem vindo, Victor, ao meu lado da estrada. Estrada não tão nova assim, almas femininas? Tanto faz. O nosso amor é puro. E à noite, eu não tenho medo. Piegas. Estar aqui é estranho, quando te imagino. Não tenho um retrato preto e branco no qual estamos felizes, e mesmo assim, nos vejo. É aqui em casa que os meus olhos sorriem. Quero teu violão ao pé da cama, chega, empurra os móveis pros cantos da sala e bagunça todos os meus livros, me abre as janelas, que quero ver o mundo contigo. Vem, vem me levar embora daqui, menino príncipe, se não, te roubo pra mim.
“Mas eu amo esta vida na terra, Morgan, e amo você com um amor mais forte do que a morte e, se o pecado é o preço de nossa união, vida após vida através das idades, então pecarei alegremente e sem lamentar, pois isso me leva de volta a você, minha amada!”
As brumas de Avalon – pág. 71.
Ele insistia em deslizar o indicador entra as minhas costelas sensíveis e eu, feito criança, me contorcia. Foram muitas vezes, e parando para pensar, imagino que tanto tenha sido proposital, só para que eu o pudesse sentir. É tudo teu, toma!
Aqui tem sido o lugar onde eu abro as minhas feridas internas, onde esmurro as paredes até sangrar. Frases escritas em puro sangue, rostos desfocados, desenhos sujos. É aqui onde as paredes são minhas, aqui onde todas as feridas estão. Aqui, moram várias pessoas que fui eu. Olhei para todo o meu corpo agora, até entre os dedos dos pés. Eu estou inteiro.
O dia foi repleto de sono, sonho e o escuro do quarto. Não estava ansioso, é como se já fossemos íntimos e nós nos encontraríamos mais uma vez, pra que um fizesse à noite do outro feliz. Com quem eu queria de lado e as músicas no coração, segui, tranquilo até o encontro. Tudo me era atrativo, meu mundo na mão direita e sorrisos que me cercavam, satisfeitos. As cantigas que seguiam repetidamente por dias, revirando a cabeça, uma a uma, logo seriam cantadas com tamanha satisfação, que dançar não seria suficiente. Algo mais que transcendente seria necessário, e sim, o canto é reza. O canto tomou conta, e eu pedi por pessoas, meu amor, o melhor do mundo, proteção. Pedi que as cores trouxessem felicidade, e a felicidade colorisse. Pedi dança. Pedi paz. Quando se dança, você não desama, você agradece!
É verdade, eu não consigo escrever das coisas que são maravilhosamente claras, coloridas e bonitinhas. E tudo que eu sempre planejei, me foi dado, agora. E tudo de uma vez, o que foi SENSACIONAL. Ando meio abobalhado.
Eu sempre tive medo de como as coisas ficariam se mudassem, de novos ciclos. Lembro, que quando criança, os ciclos eram bem menos complicados de entender onde começavam e onde terminavam, já que eram baseadas no calendário acadêmico escolar. O início de ano, novos coleguinhas, novos professores, o nervosismo. Eu sempre tive um estranho modo de identificar as sensações. Eu me lembro do cheiro de como era ir à escola, lembro do cheiro da sala, da farda nova, limpinha, no primeiro dia. Lembro do frio na barriga, mas o cheiro, esse sempre fica. Era tudo tão feliz e simples, eu não complicava tanto. Não era necessário tanto esforço pra ser o orgulho. Gostava da sensação de preparação, dos votos de que tudo seria diferente, do dia em que comprávamos todo material - e nossa, como esse dia era feliz - até tenho saudade, desde então, ele nunca mais existiu. No final, só me restava a preocupação com as notas, o medo de decepcionar quem se esforçava por mim, meus pais. Eu sempre fui um bom aluno, apesar de toda a minha vida escolar conturbada. Eu era um belo modelo de toda a frustração de alguém que era guiado, perdido e moldado. Depois disso, tudo era recheado de abraços, aniversário, presentes, fim de ano e mais abraços. Hoje, o começo de ano não significa nada, o fim, muito menos, sem abraços. E o que você é, começa a destruir tudo ao redor, como se a culpa fosse inteiramente sua. Eu sempre fui assim, só não sabia que eu poderia ser assim, nunca me apresentaram o meu eu de verdade. Desculpa, esse sou eu. Hoje os ciclos são iniciados com mais frequências, e vários ao mesmo tempo. Talvez existam ciclos que eu ainda nem percebi, mas sim, uns são bem visíveis e eu me agarro a eles. Crescer é ser você, e assumir com todo o resto.
É difícil dizer o quanto alguém te faz bem, principalmente quando a mesma verá. Durante muito tempo eu tenho ficado o mais nu possível, e sobre toda essa constelação impossível de adjetivar, não seria diferente. Não devo falar em merecimento, escrever não seria/é uma forma de recompensa. É impressionante como o teu nome me soa doce nos lábios.
À noite era quente, o que de alguma forma nos distanciava. O corpo que me instigava a abraçá-lo durante dias, suava. E ele não tentou me acalmar, também queria; leves carícias eram trocadas, convencendo de que logo, seríamos um do outro. Nós estávamos em meio a toda aquela confusão, nós nos divertíamos, era um teste e passamos. Eu te aceito. Sorrimos, sorrimos bastante, tudo parecia meio que cronometrado, desajeitado, movimentos nitidamente tímidos, que nos aproximavam a cada pavor e pudor de novas áreas conhecidas do corpo de ambos, descobrindo lugares nunca antes tocados de forma tão peculiar, arrepios. Eu te sou por inteiro. Eu não queria magia. Joguinhos não me atraem, gosto de clareza, e assim, foi. O que foi mágico. Eu te lembro em meus braços ontem, hoje, o desejo ardente, essa saudade constante. O teu corpo tem o meu número.
É estranha a maneira que eu te tenho aqui. É verdade, eu não procurei qual o significado do teu nome, não aprendi as músicas que tocavam enquanto conversávamos, ao invés disso, eu imaginava como seria o meu corpo embalado pelo teu, se me encaixaria perfeitamente nesses teus braços de um e oitenta e poucos centímetros. As tuas músicas, eu quero ouvir da tua boca. Mesmo assim, nunca duvidei de quantas coisas dividiríamos, eu não precisarei decorar teus livros preferidos, conheceremos livros, cantaremos e aprenderemos novas músicas. Confesso que sentia saudade disso. Desse peito que quieto, passou a palpitar de agonia, talvez seja fruto desse olhar único, esses olhos menos claros do que são, essas mãos grandes, esse sorriso misterioso, essas constantes energias boas, são as tuas trocas de olhares. Sabe, teu perfume é bom. Talvez esse seja teu cheiro, peculiar e delicioso. Eu acredito que tudo que venha de você, seja bom. São as coisas simples, Sofia. As cores amelisticas, o mover em câmera lenta das coisas, o esbarrar na mobília, o sorriso tímido, meu Nino. Eu respiro vagarosamente. É doce, ele tem lábios doces.
O dia se tornou um ritual de preparação, uma purificação. O céu quase não tinha nuvens. Tudo parecia minimamente cronometrado. Carícias no braço direito, a satisfação à esquerda. Diversas alegrias, contentamentos, de todas as direções. As luzes amarelas a sua frente, roupas claras e luzes azuis ao fundo, criavam um sonho simples, daqueles que acordamos felizes e não lembramos os detalhes, mas sabe do melhor? Eu estava acordado. O sorriso de canto da boca, o olhar mais doce, triste e apetecível que eu já pude presenciar - e eu poderia olhar quantas vezes quisesse - o samba convidativo, o romantismo, meu amor, a sensação era divina. Gracioso, essa é a palavra: G-R-A-C-I-O-S-O.
“Meu canto é só pra dizer. Que tudo isso é por ti.”
Estou chateado, o homem parece criança com lápis de cera, suja! Suja tudo: paredes, roupas, chão... Suja tudo, com crueldade. Eu não quero parecer com qualquer que seja, eu não sou assim. Eu sou criança direita, criança doente, doente de realidade, de coisas bonitas. Eu sofro, mas sofro de coisas boas, se é que existem. Sofro de amor, de amigos, de pai, mãe, sofro de filmes, sofro de livros, sofro com quem precisa, sofro pra depois sorrir. Gosto do silêncio. Quando estou só, me sinto próximo. Já neguei a minha sensibilidade, essa coisa a flor da pele, que me cutuca e diz quando chorar, sempre. Hoje agradeço, o mundo precisa de mais pessoas, patético, a maioria delas não precisam do mundo. Mas patético, é essa falsa esperança que tenho. Confuso!
Os sentimentos ferem o corpo. Inflama, o interior queima, as extremidades tremem. O desgosto carrega, fica, não deixa. Tudo parecia tão mágico, hoje, não lembro os detalhes. Um ano parece não ter existido. Os dias, horas, lembranças, tudo parece apagado, ou sem importância. Hoje, quem amei parece nunca ter saído de onde está. Nada é atrativo, nada seria repetido. Quem achava sua voz bonitinha, hoje já não te liga mais. O desgosto é implacável. Te rouba, faz esquecer o quanto aquela pessoa significou até ali. Quão triste é, olhar pra trás e ver o que se quereria no futuro. O lamento, já não é opção, não quero cair de novo. Talvez todo o problema foi comigo. As pessoas não apenas decidem que todos os seus dias serão iguais. Por medo do novo, ou pela não procura dele, caem na mesmice, que logo é aceita: corda pela manhã, estufa o peito, finge um sorriso e se convence que é feliz. Não que eu seja assim. Talvez por cobrar que você se tornasse uma pessoa melhor.
Hoje, o céu tinha nuvens de formas circulares com um provável gosto de começo de vida, elas pareciam sorrir e convidar que provassem a sua deliciosa cor alaranjada, e eu não desejei estar em nenhum outro lugar.
É como se algo lutasse desesperadamente a me convencer do contrário. Tudo sempre acaba de alguma maneira dando errado, nada é completo. Não consigo juntar o ontem e o hoje. Os meus braços devem estar cheios demais. Quando inclino a busca de algo novo, uma parte do que é meu passa a não ser mais, uma parte cai. Não são as minhas mãos, nem cabeça, pé. Algo externo destrói, maltrata. Não sei se vale à pena lutar, sempre acabo derrotado e triste. Eu gosto de quem me tornei. A vivacidade cruel com que eu tive que aprender que nada é fácil, me fez adquirir uma realidade, talvez seja de alguma maneira única. Sei que posso mudar, mas não sei por onde começar. Talvez o universo conspire pra que eu aprenda algo, tudo não passa um ciclo. Pra ser sincero, preciso de mais sinais. Não sei se estou indo no sentido contrário, isso não é fácil. Sabe aquela famosa luz no fim do túnel? Ela não existe, é apenas uma distração, pra que você não mude de faixa, não volte. Ninguém me deu mapa, e a estrada é de terra. Estou sujo, e as pedrinhas machucam. Alguém me tire daqui.
É meu aniversário, ciclos se fecham e outros se abrem. Agora sim, de fato, hoje, meu pote de alegria de tão cheio, transbordava pela boca, poros e corações satisfeitos que abraçavam. O amor era demonstrado de todas as formas encantadoras possíveis. Hoje, eu fui amado de todas as formas. Uma dança de novos movimentos a cada abraço. Se permitir receber, tem me ajudado a distribuir abraços, cheiros, carinhos, palavras, gostos, prazeres, dias e amor. A colheita do amor distribuído é reconhecida em dias como esse. Acho até que tenho feito tudo direitinho. Quem foi mais forte, hoje canta comigo. Mas não quero ser egoísta reduzindo-os ao bem que me fazem. Queria mais aniversários, queria mais de vocês. Até a lua me presenteou com um brilho especial, lua cheia, uma honra. As nuvens passeavam sobre as nossas cabeças, tão brancas e baixas como nunca vi. Elas também vieram me ver, e como eu as agradeci. Foi um dia repleto de música, músicas escolhidas a dedo. Somos eternos geradores de energia, dos sentimentos, ações. Recebi cada ‘’Tudo de bom’’, um a um, sugando o máximo de coisas boas que me foram desejadas, e quer saber? Tudo de bom pra gente.
“Porque hoje em diante tudo se descomplicará, com o nariz de palhaço, rirei de tudo que me faz rir a chorar, cercado de bons amigos me protegerei. – Vanessa da Mata.”